Heron Ferreira lembra de guerra no Sudão: “Ficava com medo de invadirem minha casa”

O experiente técnico Heron Ferreira fez boa parte de sua carreira no futebol do Sudão e treinando as principais equipes do país. Já adaptado, o treinador jamais pensou em estar no meio de uma guerra civil no país. Em abril de 2023, o Sudão entrou em conflito e os brasileiros que trabalhavam no país tiveram muitas dificuldades em retornar para o Brasil, inclusive Heron Ferreira.
Em entrevista ao “RTI Esporte”, YouTube, o treinador recordou os momentos de dificuldade que passou no Sudão até conseguir atravessar a fronteira com o Egito e, desta maneira, seguir viagem de volta ao Brasil juntamente com a sua comissão técnica e com os jogadores Alex Silva, Sérgio Raphael e Matheuzinho.
“O Sudão é um país com o qual tenho uma estreita relação. Trabalhei em muitos clubes. Mas realmente foi uma situação inusitada na minha carreira e que nunca tinha vivido. A pior coisa que pode acontecer é você não saber o que vem pela frente. Procuramos fazer alguns contatos e a classe jornalística teve um papel muito importante para que pudéssemos deixar o país. Foi difícil, mas deu tudo certo no final”, disse Heron Ferreira, que tem grande experiência no exterior.
Heron Ferreira se tornou um cidadão do mundo
Heron Ferreira projetou sua carreira no futebol brasileiro trabalhando como auxiliar técnico de Vanderlei Luxemburgo nos anos 90. Eles trabalharam juntos no Bragantino, Palmeiras e Corinthians. Além disso, reeditaram a dupla na Seleção Brasileira de 1998 a 2000. Depois disso, trabalhou em clubes do Sudão, Egito, Líbia, Catar, Arábia Sauidta e Paraguai
“Já havia comandado outras equipes do Sudão e fui campeão muitas vezes. O povo sempre me tratou com muito carinho já que consegui levar o nome do futebol do Sudão a patamares que não haviam sido alcançados. A situação que aconteceu foi muito inesperada. Nós jogamos na Arábia Saudita, voltamos ao Sudão, dei folga aos atletas e no dia seguinte treinamos. Quando fomos fazer outro jogo, já no Sudão, estourou o conflito. Ninguém esperava passar por essa situação”, completou Heron Ferreira.
Até conseguir deixar o país, o treinador, assim como outros brasileiros, viveu dias no meio do conflito. Os principais pontos de guerra ficavam a poucos metros da residência de Heron Ferreira, que chegou a perder um amigo durante a guerra.
“Vou citar uma situação triste de um amigo que eu tinha no Sudão, mas infelizmente ele faleceu de tristeza. Um tiro entrou pela janela da casa dele, atravessou a boca da esposa e acabou matando a filha dele. A mesma bala que pegou na esposa dele, foi a que matou a filha. Depois dessa situação, ele entrou em depressão, não queria mais comer e acabou falecendo. Então as pessoas estão muito próximas das zonas de conflito. Eu mesmo não saía do meu prédio para nada, mas mesmo assim não temos segurança. Mesmo que eu tenha uma identidade com o povo sudanês, ficava com medo deles invadirem minha casa para me sequestrar”, afirmou Heron Ferreira.
Heron Ferreira atuação do Governo Brasileiro
Sobre o apoio do governo brasileiro para deixar o Sudão e retornar ao Brasil, o treinador também relatou algumas dificuldades. De acordo com Heron Ferreira, as primeiras ajudas vieram de pessoas locais e os representantes do governo brasileiros só foram agir quando eles já haviam conseguido cruzar a fronteira com o Egito.
“No momento em que estávamos em Cartum, não recebemos nenhum apoio do governo brasileiro. Só fomos receber apoio quando atravessamos a fronteira para o Egito. Quando começou o conflito, o embaixador brasileiro entrou em contato com meu assistente e afirmou que não tinha dinheiro para nos tirar do país e que teríamos que esperar o conflito acabar. No Sudão tinha um empresário que nos ajudou muito a nos comunicar com nossas famílias e começamos a buscar pessoas que pudessem nos ajudar. A nossa saída se deu via terrestre, pelo ônibus do clube e sem nenhum apoio do Itamaraty”, finalizou Heron Ferreira.
De volta ao Brasil, o treinador agora avalia a possibilidade de seguir treinando equipes. Heron Ferreira tem propostas de clubes brasileiros, mas não está descartada a possibilidade de um retorno ao continente africano.